quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

O desafio dos espumantes nacionais


Foi-se o Natal, foi-se o reveillón, chegou 2008 e chegaram também alguns quilos a mais, efeito colateral quase inevitável nessa época de festanças e comilanças. Hora de retomar os trabalhos no blog. Resisti a falar de espumantes no final do ano, como todo mundo costuma fazer, porque honestamente não achei que tinha muito de novo a acrescentar. É sempre aquele blábláblá: champanhe é champanhe, imbatível; e o espumante brasileiro é o melhor tipo de vinho que se produz no país. As duas coisas são verdadeiras, mas estão longe de ser uma novidade digna de nota.

Não falei sobre espumantes até agora, mas bebi um tantinho, incluindo aí alguns nacionais e outros importados. Fiz isso com um olhar – e um paladar e um olfato – crítico, prestando atenção aos detalhes de cada produto, como virou hábito desde que o vinho deixou de ser apenas um prazer para tornar-se um hobby levado a sério – e, conseqüentemente, um prazer ainda maior. Acho que, finalmente, tenho algo a dizer sobre esse assunto recorrente na virada do ano.

Meu ponto é: está chegando o momento de os fabricantes de espumantes brasileiros subirem alguns degraus de qualidade e de marketing – duas coisas que precisam andar de mãos dadas para causar um real impacto no mercado. Existe uma oportunidade bem madura para isso, porque sem nenhum ufanismo o Brasil já produz os melhores espumantes da América do Sul e temos bons terrenos e bom clima para esse tipo de bebida (especialmente na Serra Gaúcha). O que falta agora?

Falta fazer o que o Chile fez há uns dez ou doze anos e a Argentina um pouco mais tarde com vinhos tintos: entrar na área dos rótulos superpremium, aqueles reconhecidos internacionalmente como produtos de elite e cobiçados – e cobrados – como tal. Os vinhos chilenos ganharam novo status com marcas como o Don Melchor, da Concha y Toro, e o Seña, entre outros. Na Argentina, o mesmo papel foi assumido pelo Nicolas Catena Zapata e, depois, Achaval-Ferrer e Cobos. Esses nomes fizeram um bem enorme à produção vinícola de seus países ao mostrar ao mundo que nossos vizinhos sul-americanos tinham capacidade de produzir vinhos no grau mais elevado de exigência. Isso gerou a percepção de que Chile e Argentina são bons nessa área, o que proporciona um efeito de marketing muito positivo que se estende inclusive aos rótulos simples.

Qual vinícola se candidata a ser pioneira em dar um salto semelhante de qualidade por aqui com espumantes? Hoje temos alguns representantes de respeito, incluindo aí Salton Evidence, Miolo Brut Millésime, Cave Geisse Nature Terroir e – meu preferido – o Chandon Excellence. São produtos bons, que custam entre 20 dólares e 40 dólares, assim como já existiam bons tintos dessa faixa de preço no Chile há dez anos. Mas não são rótulos superpremium. Tomei alguns desses espumantes brasileiros no final do ano e, num intervalo de tempo pequeno, tomei também um champanhe Laurent Perrier Millésime 1996. Simplesmente não tem comparação. A começar pelo fato de que o champanhe, indo para o décimo segundo ano de vida, estava jovem e vibrante como nenhuma bebida similar daqui poderia estar. Na minha opinião, um tinto chileno ou argentino nunca chega ao mesmo nível dos grandes Bordeaux, Borgonha ou Rhône. E nem dos melhores do Piemonte e Toscana, na Itália. Mas pode chegar relativamente perto – pelo menos mais perto do que os espumantes nacionais chegam dos champanhes atualmente.

Restam duas questões em aberto. A primeira é saber se os produtores nacionais querem dar esse salto de qualidade, que exige pesados investimentos em cultivo, tecnologia de vinificação e também em marketing e promoção no Brasil e no exterior. É preciso morrer com um dinheiro grosso para isso. Mas se Chile e Argentina fizeram, quer dizer que não é impossível em termos financeiros. Hoje os produtores da Serra Gaúcha estão mais focados no mercado de baixo preço e alto volume, onde, por sinal, vão muito bem. Tomei um Salton Brut de 15 reais e posso dizer que se trata de um vinho honesto, provavelmente a melhor opção disponível no Brasil nessa faixa quase popular. Tudo muito bem, mas não valeria apostar na outra ponta do mercado e investir o tanto necessário para encarar, se não os grandes champanhes, ao menos os champanhes mais simples e os cavas top de linha, os melhores Franciacorta (região de onde sai a elite dos espumantes italianos) e os bons espumantes de alguns outros países, como Portugal, Austrália e Estados Unidos?

A segunda questão é saber se os produtores nacionais podem fazer isso. Faz já um tempinho que eles estão empacados mais ou menos no mesmo patamar de qualidade. Até ai, compreende-se. Não se produz um grande espumante do dia para noite e, se não houve evolução nos últimos dois anos, certamente houve nos últimos três ou quatro, o que já está razoável. Por outro lado, quando tomo um espumante rosé como o Poética, da Salton, que foi tão elogiado por alguns críticos de vinho brasileiros, fico me perguntando se os tais críticos têm baixa expectativa quanto ao potencial de nossos espumantes -- e por isso elogiam uma bebida que é um bom refresco para beira de piscina, nada mais --, se são ufanistas ou se a resposta é alguma coisa pior, como desconhecimento do ofício ou rabo preso com os produtores. Enfim, não quero entrar nesse mérito. Mas é fato que ainda podemos exigir mais em termos de qualidade. Estou para ver um espumante rosé nacional que tenha alguma complexidade.

O mercado está aquecido, o consumidor está comprando como nunca, não temos concorrente na América do Sul para esse tipo de vinho, o mundo tem sede de bons espumantes e a produção de champanhe é limitada pela própria área geográfica restrita de onde saem essas jóias borbulhantes. Não está na hora de o Brasil pensar mais alto, como Chile e Argentina pensaram com seus tintos há alguns anos? Queremos? Conseguimos? Tenho o palpite de que, cedo ou tarde, a resposta será sim para essas indagações. Mas é só isso mesmo: um palpite. Alguém se arrisca a responder?

7 comentários:

Di disse...

Comecei a participar da "Confraria Brasileira de Enoblogs" no último mês de 2007. Logo no inicio de 2008, recebi o convite de Vinho para Todos de indicar o vinho para este mês de Janeiro. Para a data, proponho o último domingo do mês, dia 27. O vinho que indico, devido ao clima quente que tem feito nos últimos dias, o Finca La Linda Rosé of Malbec 2006.
Um vinho rosé que vem sendo muito vendido no restaurante em que eu trabalho e ainda não o experimentei mas acredito ser um bom. Já aviso a todos que é comum a rolha quebrar no meio ao extrai-la... o porque não sei, mas não se assustem, o restante dela sai facilmente.
Abraços a todos, espero que gostem da sugestão para o mês. Saúde! E desculpem o Ctrl C / Ctrl V.

Unknown disse...

Fala Ricardo. Feliz 2008 para vc e para todos os leitores amigos do blog.
Sinceramente eu acredito no potencial do Brasil. O único porém é a filosofia que diz, "se podemos complicar, para que facilitar..."
São muito os entraves que prejudicam a produção de vinhos no Brasil. De um lado, alguns produtores que não irão diminuir a produção para investir em qualidade, do outro o Governo famigerado que sempre abocanha uma grande parcela dos investimentos e resultados em IMPOSTOS. Por fim, o consumidor que sempre torce o nariz para produtos nacionais.
E um tópico muito polêmico pois cada um irá puxar a sardinha para sua própria brasa, mais uma coisa é certa. E preciso que todos esses setores sentem e acertem seus ponteiros para que o Brasil não perca essa grande oportunidade de negócio. Ganhamos nós, ganham os produtores, ganha o Brasil.
Apostem suas fichas!!!!

Anônimo disse...

Tenhi lido algumas matérias comentando sobre a intenção de se criar uma DO (Denominação de Origem)para os vinhos da região da Serra Gaúcha. Talvez resida aí uma esperança de que a união entre os produtores da região possa alavancar a qualidade e o nome do vinho brasileiro.

Anônimo disse...

Bom ter você de volta, já estava sentindo falta desse seu texto, meio provocador, sincero e independente, cutucando a onça sem piedade. Acho que muito já foi feito nos últimos 4/5 anos e, certamente, alguém deve estar se mexendo na calada da noite. Realmente estamos bem na fita e há que explorar mercadologicamente esta oportunidade latente. Jamais chegaremos a Champagne, mas pelo menos devemos trabalhar para chegar lá e deixar o mundo saber disso. O problema é que, para dar esse salto, há que se fazer um trabalho unindo uma associação de produtores forte, trabalhando para o todo e não individualmente. Existe essa associação forte? Quem sabe Brasília, e o governo do RS, também entendem a importância desse setor para a economia do campo, turismo e imagem do Brasil no exterior, e reduzem a carga tributária sobre vinhos? Os consumidores unidos agradeceriam!
Feliz 2008.

Anônimo disse...

Muito pertinente este post. Acho que o Brasil pode chegar a fazer bons tintos, mas nunca, jamais tão bons como na Argentina e Chile por uma pura questão de geografia e clima. Como na Europa, então, nem pensar. O mesmo vale para brancos: podemos ser bons, mas não creio que seremos ótimos nesse tipo de vinhos. Mas com espumantes nós JÁ SOMOS BONS e, exatamente pelo clima e geografia, PODEMOS SIM SER ÓTIMOS. Resta aos produtores investir com seriedade e profissionalismo para isso, e aí faremos no Brasil um tipo de vinho que o mundo inteiro pode desejar e admirar. Uma alternativa aos champagnes, assim como os Don Melchors da vida são alternativas aos grandes franceses. Por que não?

Anônimo disse...

Discordo parcialmente:
Argentina faz sim excelentes espumantes: Baron B e alguns outros...
Não ricardo, não diga muito alto esse papo de espumantes super primuns aqui no Brasil!!!!!! já já os produtores vão inventar um espumante de 250 reais!!!!! claro, com um conteudo de 50....
Na Argentina o mesmo ocorreu com os tintos...toda vinícola TEM que tem um premium...de 250, 300 pesos. O que ocorre é que somente meia dúzia de vinhos valem mesmo este preço (eu não pago!! - prefiro gastar 100 doletas em outros vinhos).

Anônimo disse...

Léo, ótimo ponto que você levantou. Existe mesmo o risco de as vinícolas brasileiras fazerem espumantes superpremium no preço e no rótulo, com conteúdo de vinho mediano... mas foi por isso que eu escrevi que "está chegando o momento de os fabricantes de espumantes brasileiros subirem alguns degraus de qualidade e de marketing – duas coisas que precisam andar de mãos dadas para causar um real impacto no mercado." Não podemos ser inocentes: para vencer no mercado internacional de vinhos de alta qualidade, é preciso ter marketing, sim. Não há problema nisso se a qualidade vier junto. Mas eu concordo com vc, nem sempre isso acontece e na maioria das vezes é melhor gastar 100 dólares em um vinho francês, espanhol ou italiano do que num argentino.