segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Melhor pensar no plano B


Num artigo publicado recentemente no jornal Financial Times, a crítica inglesa Jancis Robinson chama atenção a um fato importante. Ela constata que nunca os vinhos “superpremium”, em especial os premier grand cru de Bordeaux (foto das cinco jóias acima) e os grand cru da Borgonha, custaram tão caro. A explicação para isso está na mais elementar lei que rege os mercados: oferta x demanda. A quantidade disponível desses rótulos de elite é limitada pela própria geografia – são vinhos únicos justamente porque nascem de solos únicos – e não há maneira de aumentar a produção sem sacrificar sua qualidade. Já a procura não pára de crescer, puxada pela emergência de uma sedenta classe de novos-ricos de países como China, Rússia, Índia, Emirados Árabes e outros. Se essa turma quiser abarrotar suas garagens de carros esportivos, basta que as Ferraris da vida ampliem a fabricação. Mas se quiser rechear suas adegas de Château Margaux, temos um problema, porque a produção anual é e será sempre a mesma.

Calma, existe um lado bom nessa história. Jancis conclui que, se nunca houve uma diferença de preço tão gritante entre os vinhos básicos e os cada vez mais inacessíveis ícones da vinicultura mundial, por outro lado a distância de qualidade entre eles jamais foi tão pequena. Graças à difusão de melhores práticas de cultivo e vinificação e aos avanços tecnológicos, hoje há uma quantidade e variedade de produtos de excelente nível provenientes dos mais diferentes países que é, sem exagero algum, inédita nos milhares de anos de história da vinicultura. Se tomar Château Mouton-Rothschild está mais proibitivo do que nunca, encontrar boas alternativas com melhor custo também está mais fácil do que em qualquer outra época. Nesse sentido, vivemos uma era de ouro da oferta de vinhos.

Conclusão óbvia: a menos que esteja sobrando muito, mas muito dinheiro, convém fugir dos rótulos mais famosos e reconhecidos e procurar um plano B. Sabendo escolher, é possível beber quase tão bem e gastar apenas uma pequena fração da montanha de dinheiro que é preciso desembolsar para colocar as mãos nas mais cobiçadas garrafas da França, Itália, Espanha e Estados Unidos.

Ao ler o artigo de Jancis – uma das especialistas em vinho mais sóbrias, com perdão da palavra, que conheço – tive a idéia de pesquisar o aumento de preço dos top de Bordeaux no Brasil. Mas como fazer isso num país em que o valor da moeda oscilou mais que montanha russa nos últimos anos? Seria preciso ajuda de algum economista. Seria, mas não foi, porque lembrei que tenho guardado em casa, por pura desorganização e preguiça de me livrar das velharias, diversos catálogos antigos da importadora Mistral. Como a empresa sempre trabalhou com preços em dólar, o problema estava resolvido. (Em tempo: na atual fase de real supervalorizado, a Mistral transformou-se num dos melhores lugares para comprar vinho, com preços bem atraentes. Vale conferir. Mas fica o alerta que o consumidor tem de exigir o dólar do dia. Nas duas últimas vezes que fui lá, os vendedores inexplicavelmente inflaram a cotação da moeda americana e só adotaram o valor correto mediante meu protesto.)

Pois bem, no catálogo da primavera de 2005, o mais antigo que achei em casa, a maioria dos premier grand cru de Bordeaux custava 424 dólares. O Château Margaux 99 saia por 498 dólares e o Château Haut-Brion 01, o mais caro, por 531 dólares. No atual catálogo da Mistral, da primavera de 2007, a maioria dos premier grand cru subiu para 839 dólares – quase o dobro do que essas garrafinhas custavam apenas dois anos atrás. Os mais baratos são o Haut-Brion e o Latour, ambos da problemática safra de 2002, vendidos por 745 dólares. Em qualquer caso, é muito dinheiro para um prazer tão fugaz, que se esvai em questão de hora.

Na mesma Mistral, contudo, fui mais do que feliz ao comprar o Château Lanessan 2000 por cerca de 60 dólares. Ok, passa longe de um Château Lafite, mas é um vinhaço, com toda a tipicidade de um ótimo Bordeaux. Ou o Château La Butte, ali pelos 40 dólares, esse um bordalês moderninho e menos pretensioso, mas muito gostoso e bem-feito. Por cerca de 70 reais é um tremendo custo/benefício. Recomendo.

Para ficarmos nos franceses, as edições das revistas Gula e Prazeres da Mesa que estão nas bancas trazem boas reportagens com dicas de vinhos num patamar de preço não tão elevado. Da matéria de Gula, destaco o Morgon Lapierre 2005, um cru de Beaujolais – para quem acha que todos os Beaujolais são vinhos de segunda categoria para bebericar na calçada, saiba que existem alguns produtos sérios dessa denominação. É o caso desse, que vale seus 120 reais como belo francês que é. Outra boa dica é o branco Quartz Les Cailloux du Paradis 2004, um sauvignon blanc do Vale do Loire vendido por 130 reais (ambos da World Wine). Já a revista Prazeres da Mesa foi ao sul da França, nas regiões da Provence, Languedoc e Roussillon. É justamente dessa área que saem, hoje, alguns dos melhores custo/benefício do país. Mas é preciso ter cuidado, porque também há muita porcaria por ali. Conhecer o produtor é essencial para não se decepcionar. O destaque da reportagem ficou para o Château La Bastide Optimée 2004, vendido na Decanter por cerca de 77 reais e que teve nota 89 da revista.

Como se vê, com algum discernimento é possível beber bons vinhos – até mesmo franceses -- sem pedir empréstimo bancário, ainda mais com o dólar rondando a casa de 1,70 real. Os premier grand cru caminham para ser artigos de über luxo, o que infelizmente parece ser uma tendência sem volta, mas o consumidor instruído nunca teve tantas opções para passar bem. Este é o momento de colocar em prática o plano B – ou C, D ou E,dependendo do seu orçamento ou disposição para gastar com vinhos. Há ótimas opções para todos os bolsos e gostos.