quarta-feira, 2 de julho de 2008

Lei seca: governo erra na dose


A série sobre Portugal vai sofrer uma breve interrupção para um brevíssimo comentário sobre o tema do momento: a “lei seca” para os motoristas brasileiros. Claro, estou falando da lei 11.705, que altera o código de trânsito e proíbe o consumo de qualquer quantidade de bebida alcoólica para condutores (proíbe acima de 2 decigramas de álcool por litro de sangue, quer dizer, até bombom de licor extrapola o limite). Antes, era permitido no máximo 6 decigramas, o que equivale a mais ou menos dois copinhos de cerveja. Convenhamos, já era pouco. Agora, nem isso.

Com perdão do trocadilho, acho que o governo errou na dose. Ninguém com consciência da enorme quantidade de acidentes decorrentes da mistura de álcool + direção – muitos deles fatais, e não raro deixando vítimas inocentes – pode ser contra uma punição rigorosa para quem conduz um veículo em estado de embriaguez. Daí a proibir duas taças de vinho durante um jantar ou um chopinho com os amigos após o trabalho vai uma distância enorme.

Detalhe: um reles copo de cerveja demora seis horas para desaparecer do organismo. Enquanto isso, o bafômetro acusará álcool – e a pessoa pode ir em cana (com perdão do trocadilho outra vez). Fala sério: quem fica sem condições de guiar se tomou um ou dois copos de cerveja há quatro horas? Ninguém, é óbvio.

A lei é necessária, a punição rigorosa para os excessos é necessária -- mas é preciso estabelecer corretamente o que é excesso e, mais do que isso, o que é um excesso criminoso. Creio que o limite de álcool permitido no organismo deveria ser ampliado, ao menos nas cidades. Que seja rigoroso ao extremo nas estradas, estou de acordo. Só que do jeito que está, ninguém mais pode pegar o carro, ir ao restaurante com a esposa ou marido, tomar duas taças de vinho e voltar para casa. O que seria um programa civilizadíssimo virou crime digno de cadeia. Não faz sentido.

Em diversos países o limite permitido é mais elástico. Nos Estados Unidos, é de 8 dg de álcool por litro de sangue. Por aqui, ninguém duvida que esse exagero vai fomentar um mercado inédito de propinas. Ou isso, ou a lei não vai “pegar”, como acontece com freqüência neste país. O melhor texto que li sobre o assunto é de Josimar Melo, crítico gastronômico da Folha de S. Paulo (Lei seca é elitista, reacionária e semeia a corrupção). Vale a pena conferir.