terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Mise en bouteille au Brasil


Com perdão da lista de estereótipos que segue, no país do futebol, do samba e da cachaça, até onde a produção de vinhos pode ir? No último texto, questionei se conseguiremos elevar o tipo de fermentado de uvas que fazemos melhor – os espumantes – a um novo patamar de qualidade, seguindo exemplo do que Chile e Argentina vêm fazendo com seus tintos há alguns anos. Não me arrisquei a dar uma resposta definitiva, mas acredito que sim, os produtores da Serra Gaúcha têm condições para chegar lá em médio prazo. Torço para que cheguem mesmo.

Semana passada tomei o Casa Valduga Brut 130 anos, um produto premium feito pelo método champenoise, e fiquei ainda mais convencido disso. Trata-se de um espumante para comida: muito encorpado, cremoso, com aromas complexos de tostado e frutas secas. A única crítica que faria é que faltou um pouco de acidez para balancear o conjunto, tornar a bebida menos pesada e deixar aquela sensação de "quero mais" na boca. Mesmo assim, é um vinho sério, que vale cada centavo dos 45 reais que paguei pela garrafa. Tem uma proposta quase oposta ao do ótimo Chandon Excellence, que é muito leve, seco e quase austero – um produto que dá para beber de garrafa, porque é ótimo e não enjoa jamais. É bom ver que conseguimos produzir espumantes em vários estilos diferentes.

Miolo, Salton, Cave de Amadeu, Casa Valduga, Chandon e vários outros estão fazendo um trabalho competente, que merece aplausos e me deixa otimista. Mas de vez em quando tomamos um champanhe de verdade, ou aparece um rosé vagabundo nacional por aí, e nosso otimismo é temperado por uma saudável dose de realismo. Ainda temos bastante a melhorar. A boa notícia é que provavelmente podemos.

Só que nem só de espumantes se faz o mundo dos vinhos. E o resto? Não gosto de nacionalismo cego, mas tampouco gosto de quem se recusa a olhar para frente. É obvio que a vasta maioria do território nacional não tem clima adequado à produção de rótulos de qualidade. Mas com o avanço das técnicas de manejo dos parreirais e de vinificação, com o mapeamento de novas áreas para o plantio, com a seleção de variedades de uva que se adaptam melhor a determinados terrenos e com a consultoria de enólogos respeitados internacionalmente, podemos avançar. Nos espumantes provavelmente conseguiremos avançar mais do que nos demais tipos de vinho, mas isso não significa que não chegaremos a fazer tintos e brancos de bom nível. Na verdade, já temos exemplares bem razoáveis.

Entre os tintos da Serra Gaúcha, a crítica que faço é que, aparentemente, as grandes vinícolas vêm tentando perseguir um estilo muito “internacional” – vinhos encorpados e concentrados, com aromas de geléia e frutas doces, supermaduras. Entende-se, porque rótulos assim são apreciados por críticos influentes e por uma fatia grande dos consumidores. Ninguém investe no que não está vendendo. Vinho é um negócio e o mercado é rei. O problema é que se o clima semi-desértico de Mendoza ou a ensolarada Austrália geram produtos hiperconcentrados e alcoólicos quase naturalmente, na úmida e tantas vezes nublada Serra Gaúcha, por outro lado, a vocação “natural” seria de vinhos mais leves, mais elegantes, mais europeus. A moda é pendular e em algum momento esse estilo clássico voltará com força. Entre os conhecedores de verdade, aliás, nunca deixou de ser o predileto. Se não for comercialmente viável fazer todos produtos top com mais ênfase no refinamento do que na potência, que pelo menos cada grande vinícola tenha um rótulo assim. Fica a sugestão.

Já no Vale do São Francisco, onde empresas como a Vinibrasil fazem um trabalho ousado e pioneiro, a coisa é diferente. Posso estar errado, mas me parece que lá seria possível buscar um estilo de vinho bastante encorpado para os rótulos mais caros, pois o sol até em excesso da região gera uvas com muito açúcar. Além disso, o Nordeste parece ter vocação para produzir vastas quantidades de tintos, brancos e espumantes simples e frutados – sem pretensão, mas que podem ser gostosos e bem-feitos -- para vender a preços populares.

Para fechar, os brancos. Nessa categoria, até agora não bebi nada melhor no Brasil do que o chardonnay e, depois, o sauvignon blanc da vinícola Villa Francioni, da região serrana de Santa Catarina. Fiquei surpreso pela qualidade alcançada em tão pouco tempo. Essa é uma área vinícola nova que está mostrando ótimo potencial. Esses brancos não fazem feio frente a rótulos muito bons do Chile, Argentina e Uruguai.

Se fosse escolher os melhores vinhos nacionais, acho que colocaria o Salton Talento como tinto campeão; o Villa Francioni Chardonnay como o branco top do país; e Chandon Excellance como nosso espumante que melhor cumpre sua proposta. Mas essa não é uma lista definitiva e pode mudar dependendo da safra. Todos esses produtos têm concorrentes fortes colados em seus calcanhares. Acho que quem se distanciou mais e abriu vantagem em relação aos rivais são os brancos da Villa Francioni. Neste momento não consigo lembrar de outros produtos brasileiros que cheguem muito perto.

Já existem bons vinhos nacionais, coisa que era difícil encontrar há apenas dez anos. Estamos evoluindo, e bem. Acho que em um futuro não muito distante teremos coisa ainda melhor. Creio que teremos ótimos tintos, mas também que vai ser difícil chegar ao topo do topo nessa categoria. Contudo, suspeito que poderemos, sim, dizer algum dia que temos "um grande espumante brasileiro". Nesse ponto, já somos tão bons ou melhores que quase todas as potências vinícolas do Novo Mundo. Por que não seguir evoluindo e tomar a dianteira nesse mercado?