segunda-feira, 21 de abril de 2008

Sobre Buenos Aires e grandes vinhos


Voltei de uma recente viagem a Buenos Aires com um par de garrafas na mala e muitas considerações a fazer sobre a cultura de vinhos da Argentina. Ou seria o contrário? Bem, as considerações são as seguintes: os portenhos amam vinhos, mas ainda vivem uma fase de transição entre antigos hábitos e outros mais modernos; e a oferta de rótulos argentinos não pára de evoluir.

Explico. Assim que desembarquei em Buenos Aires, o taxista que me levou do aeroporto ao hotel estava com o rádio ligado. O que passava era um programa no qual o entrevistador conversava com algum enólogo para dar dicas simples: por que a temperatura correta de serviço é importante, por que a maioria dos vinhos não deve ser guardada por muito tempo, algumas regras básicas de harmonização com comidas etc. Tudo de um jeito direto e sem pretensão, sem pompa.

O entrevistado – infelizmente não me recordo quem era – jamais soava como um especialista falando coisas esotéricas que só poderiam ser compreendidas após anos de estudo. O que havia ali era um profissional do ramo que mostrava, baseado no bom senso, alguns cuidados para melhorar a experiência com a essa bebida que está tão entranhada na cultura da Argentina.

Mas se o vinho faz parte dos hábitos desse país, ainda assim há necessidade de um programa de rádio como esse? Se há. Bastaram quatro dias em Buenos Aires para que eu não tivesse dúvidas sobre isso. Em um restaurante tradicional (e delicioso) como o La Estancia, a carta de vinhos era apenas razoável e as taças ruins. Aceito ambas as coisas, pois se trata de um restaurante de classe média que permanece há décadas igual no serviço de vinhos -- o que talvez não seja louvável --, mas igual também na estupenda qualidade de suas carnes. O problema mais grave, mas também o mais fácil de arrumar, foi que a garrafa chegou à mesa quente – bem quente.

São coisas da velha Argentina, que durante décadas consumiu enorme quantidade de vinhos oxidados e de baixa qualidade. Hoje o nível médio subiu demais, porém o serviço e os hábitos ainda precisam acompanhar esse salto. Com iniciativas como o programa de rádio que escutei no táxi, acho que é apenas uma questão de tempo para isso acontecer. O próprio garçom do La Estancia, quando reclamei da garrafa quente, reconheceu prontamente o problema e trouxe um baldinho com gelo para fazer a correção. Em cinco minutos, o vinho chegou a alguma coisa próxima dos 18 graus. O velho garçom se desculpou e foi simpático toda a noite. Provavelmente se eu tivesse feito igual reclamação há, digamos, dez anos, teria escutado uma daquelas respostas atravessadas -- “Es asi que se bebe viño acá, hijo.”

A consideração dois é sobre a oferta de vinhos da Argentina. Há lojas e mais lojas espalhadas pela cidade, com uma variedade muito grande de rótulos. Contudo, 95% são de produtos argentinos mesmo. Isso acontece em quase qualquer país produtor. É meio limitante, mas não há remédio. Nem sempre compensa comprar vinhos em Buenos Aires, porque as garrafas que chegam dos hermanos estão entre as poucas que desembarcam no Brasil sem automaticamente triplicar seu preço. Pode acontecer até de determinado produto estar mais em conta por aqui. Vi isso com o excelente Catena Estiba Reservada, um vinhaço que a Mistral negocia por algo ao redor de R$ 150 e que em Buenos Aires muitas vezes sai pelo equivalente a R$ 200. Essa é uma exceção (não a única, contudo). Como a cotação está muito favorável para nós – o Real vale atualmente quase o dobro do Peso --, na maioria das vezes vale a pena trazer garrafas. Só que é preciso pesquisar. Quem sair enfiando na mala tudo o que vê pela frente sem saber quanto custa no Brasil arrisca-se a ficar no prejuízo.

Em relação à qualidade dos vinhos argentinos, já escrevi muito sobre isso recentemente. O nível subiu de maneira espetacular nos últimos dez anos e há um punhado de exemplares maravilhosos de várias uvas -- Malbec à frente, mas também Cabernet Sauvignon e cada vez mais Bonarda, Tempranillo, Merlot, Pintot Noir, Chardonnay, Torrontes e outras. Mas quem preza a elegância sobre a potência ainda precisa garimpar bem para ser feliz.

Como ressalva, vale dizer que produzir vinhos realmente grandiosos não é tarefa fácil nem na Argentina e nem em lugar algum, incluindo aí até a França. Quanto mais você conhece de um assunto, mais chato fica. Eu ainda não conheço tanto assim, mas já estou chatíssimo. Hoje em dia posso gostar de muitos vinhos, mas são poucos os que têm aquela coisa a mais que torna a experiência de bebê-lo realmente marcante, memorável. Na maioria das vezes, algum defeito logo salta à vista e incomoda um pouco.

Foi o que aconteceu com uma das lembrancinhas que trouxe de Buenos Aires, um Finca Los Nobles Cabernet Bouchet 1997 – isso mesmo – da vinícola Luigi Bosca. Pelo tratamento que recebeu, incluindo passagem de 24 meses em barris de carvalho de Troncais, esse pode ser considerado um superpremium de uma época em que quase não existiam vinhos superpremium na Argentina. Estava em forma após 11 anos, era aveludado e elegante, porém a madeira ofuscava completamente a fruta. Uma pena. Era quase como um prato feito com todo esmero e que tinha tudo para ser excelente, até que o chef erra a mão e coloca mais tempero do que o indicado.

Mas a dificuldade de fazer – e, mais ainda, de beber -- grandes vinhos fica como tema para o próximo post. Até lá.

8 comentários:

Anônimo disse...

Estive recentemente em Buenos Aires e passei pela mesma situação quanto à temperatura do vinho... Até cheguei a escutar "brancos no gelo e tintos ao lado da parrilla (churrasqueira)"!! Outros dois pontos que ainda poderiam melhorar é na oferta de vinhos em meia garrafa (muito limitado) e o serviço de vinhos em taças. Mas a qualidade da carne pelos preços (tanto das carnes quanto dos vinhos) realmente compensa demais a visita!

Anônimo disse...

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Ricardo, quais os melhores vinhos da Argentina na sua avaliação?

Anônimo disse...

Carla, há muitos bons vinhos na Argentina e ainda não experimentei alguns deles, por isso é difícil responder sua pergunta. Minha vinícola preferida no país é a Catena (vinhos importados pela Mistral) e para mim o vinho argentino mais sério e que aparenta ter maior potencial de envelhecimento é o Nicolas Catena Zapata, o top da casa. Contudo, os melhores Malbecs que já experimentei são os crus da Achaval-Ferrer (importados pela Expand). Os produtos da Cobos (importados pela Grand Cru) são fantásticos, para quem gosta de um estilo muito moderno e bem acabado. Vale ainda mencionar os rótulos de elite da Trapiche, com destaque para o Iscay, o Cheval des Andes, Felipe Rutini... há muita coisa boa.

Anônimo disse...

Em um restaurante de Buenos Aires, na região de PORTO MADERA, muito agradável por sinla, ao pedir um vinho Alto Las Hormigas, pedi também um decanter. O garçom, depois de muuuuuuuuuitoo relutar, trouxe e serviu mas ficou rindo pelos cantos como se ficasse pensando: "prá quê decanter"? E eu pensando: prá quê esse garçom? :-)

Unknown disse...

Olá Ricardo,
vou para Buenos Aires com meu marido, comemorar dez anos de casamento! um feito nos dias de hoje... gostaria que você me indicasse alguns bons restaurantes para apreciar um bom vinho, e um local para comprar algumas garrafas.
parabéns pelo blog!
Gabriela.

Anônimo disse...

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