segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Soy loco por ti, Argentina


Já faz tempo que o renomado crítico americano Robert Parker, de longe o mais influente do mundo, trabalha com uma equipe de colaboradores fixos. Também, pudera. Como um único ser humano conseguiria analisar e dar notas a milhares e milhares de vinhos provenientes de todas as principais áreas vinícolas do globo? Não diria “haja fígado”, porque em degustações profissionais não se ingere a bebida, mas “haja nariz” e “haja língua”. Por isso, Parker concentra-se em algumas regiões de sua preferência, como Bordeaux, Rhône e Califórnia. O resto ele terceiriza. Muita gente não sabe, mas Parker nunca deu uma cheirada sequer em diversos rótulos da Borgonha, do Piemonte ou de Portugal, por exemplo, que as importadoras ostentam em seus catálogos com indicações como “RP 92” ou “RP 87”, seguindo a tradicional escala de 100 pontos.

E foi assim que os vinhos da América do Sul acabaram entregues ao julgamento de Jay Miller, o sujeito com cara de maluco-bonachão da foto aí de cima (por sinal, Miller é PhD em psicologia). É ele quem dá as notas e faz os comentários para as garrafas do Chile e da Argentina que são analisadas na Wine Advocate, a publicação de Parker. Pelo que Miller tem escrito, imagino que não tardará em ganhar uma estátua em Mendoza. O crítico tem sido uma mãe para nuestros hermanos. Na última bateria de degustações, ele disparou uma saraivada de notas altíssimas como nunca se viu por aqui: choveu 96 pontos para vários rótulos e um punhado foi agraciado com 98 pontos.

Para ter uma idéia do que isso significa, o mitológico Château Margaux, um dos ícones máximos da França, só recebeu nota igual ou superior a 98 em sete safras (2005, 2003, 2000, 1996, 1990, 1953, 1928) dentre 49 analisadas por Robert Parker. Eis que a argentina Viña Cobos, que começou a engarrafar seus vinhos em 1999 – é um bebê de fraldas em termos de vinicultura --, já tem três rótulos com essa pontuação que é usada para produtos que flertam com a perfeição. A também novata Achaval-Ferrer, fundada há dez anos, ganhou de Miller um 98 pontos (para o Finca Altamira 2004), um 97 pontos e um 96 pontos. E Nicolas Catena, patriarca da vinicultura de qualidade em Mendoza, mas também um novato em termos mundiais, levou dois 98 pontos.

Não quero desmerecer a notável evolução dos vinhos argentinos, mas vamos devagar. As três vinícolas mencionadas acima são mesmo excelentes e possuem, todas elas, rótulos de respeito. Contudo, acho que as notas estão infladas. Basta comparar as resenhas dos rótulos de Mendoza com as de regiões bem mais tradicionais e sofisticadas, como Borgonha e Piemonte, para ficar claro que Miller está generoso demais. Um detalhe que me deixou especialmente cético é a longevidade que o crítico estima para os rótulos argentinos. A recomendação é beber o Nicolas Catena Zapa 2004 até – pasmem – 2058! Uau... poucos franceses chegam a 50 anos. Do Achaval-Ferrer, ele diz que “está confiante que vai evoluir da mesma maneira que um Bordeaux premier grand cru”. Confiante baseado em quê? Para os Cobos que estão no mercado, Miller foi um pouquinho mais moderado: estarão bons até 2030.

Acho temerário fazer essas afirmações por três motivos. Primeiro por não haver histórico de evolução de vinhos premium na Argentina, pois a vinicultura de ponta tem cerca de 15 anos no país. Segundo porque tampouco há histórico que comprove uma evolução tão longa de vinhos de Malbec, casta que está presente, sozinha ou em corte, em todos esses rótulos. E, três, porque o que se viu de evolução dos vinhos argentinos e chilenos feitos de forma “moderna”, com técnicas como a microoxigenação, até agora não chega a entusiasmar.

Talvez eu esteja errado e Miller seja um visionário. Temos que esperar alguns anos para ter certeza. Mas minha interpretação é que os produtos da Argentina são muito concentrados, seguindo um estilo que agrada a “escola Parker”, que preza a força sobre a elegância. Por isso entusiasmam tanto quem reza por essa cartilha. Por isso também o Chile, embora tenha ganhado altas notas de Miller, não teve nenhum vinho que chegasse aos 98 pontos – os rótulos chilenos são, na média, mais elegantes do que os argentinos.

Acho que a vinicultura da Argentina evoluiu muito e pode vir a figurar entre as melhores do mundo. O que falta para isso é um senso maior de leveza, de sutileza. Esse movimento em favor da elegância já começou em Mendoza, mas ainda está longe de se completar. Além disso, os grandes franceses, italianos, alemães (brancos) e espanhóis têm um toque adicional de complexidade -- definida como riqueza e diversidade de aromas e sabores não-convencionais -- e uma capacidade de envelhecer que o Novo Mundo ainda precisa provar que algum dia conseguirá alcançar.

Para alguns críticos, infelizmente, o entusiasmo de sentir uma bomba de frutas em compota na taça é tão grande que nada mais importa.

18 comentários:

Marcel Almeida disse...

Esse tipo de avaliação baseado em apenas uma garrafa, sem comparações, sem avaliar como uma safra anterior de suposta igual qualidade vem evoluindo, como você mesmo comentou sem um histórico que comprove, só confirma que devemos cada vez mais partir em busca do que gostamos e desconsiderar os críticos, que cada vez mais falam comercialmente e cada vez mais qualificam os vinhos de maneira subjetiva.

José Luiz disse...

Ricardo,

Li a matéria no erobertparker.com e também fiquei impressionado. O Patricio Tapia, crítico chileno que admiro muito, também comentou o assunto no site:
http://www.planetavino.com/descorchados/reportaje.asp?id=189

Quanto à longevidade, tive uma prova inequívoca de que os vinhos argentinos podem, sim, evoluir muito bem. Em novembro passado jantei no RED em Buenos Aires e tomei um vinho da Bodegas Lopez Montchenot 20 anos safra 1988 que estava fantástico. Dava vontade de chorar... Certamente o melhor vinho argentino da minha vida, em seu apogeu.

Não duvido que os vinhos referidos podem evoluir por pelo menos 20 anos, como o Montchenot, embora este último seja um corte feito no estilo "antigo".

Abraços,

José Luiz

Anônimo disse...

José Luiz, obrigado pelo comentário. Muito bem lembrado o exemplo do Montchenot! Conheço o vinho e o considero um caso à parte. Como você mesmo destacou, é um produto feito à moda antiga, seguindo um processo de colheita e vinificação bastante diferente dos rótulos argentinos que estão na moda (os que ganharam notas altíssimas de Miller). Sei que o Montchenot tem ótima capacidade de envelhecer, mas desconfio bem mais desses atuais superargentinos. Não estou certo se a ótima longevidade do Montchenot serve para provar que os Cobos da vida durarão décadas.

Unknown disse...

Ricardo e amigos do blog,
acho as avaliações muito voltadas para o gosto norte americano sem dizer que o custo/benefício para eles é realmente muito interessante. As avaliações devem ser apenas um parâmetro e jamais vistas como verdades absolutas. O que dizer da família Biondi Santi que nunca tiveram uma boa nota do RP? Os Brunellos fabricados por eles são considerados os melhores do mundo... Senso crítico, em se tratando de vinho, é tão importante quanto a capacidade de destinguir aromas complexos em uma taça.
Abraços
Bruno H Cunha

Anônimo disse...

Já tive a oportunidade de provar dois Malbecs Gran Reserva da Terrazas com 12 anos de garrafa (lá em Buenos Aires) e vão muito bem obrigado... daí a falar em 30-40 anos vai uma boa distância.

O Montchenot é mesmo um caso à parte; um vinho das antigas, como não se faz mais.

Anônimo disse...

Amigos, no ano passado provei alguns chilenos e argentinos de 1997, safra que foi das melhores nos dois países. Os vinhos estavam inteiros ao completar 10 anos, mas não se pode dizer que evoluíram bem. Não é a mesma coisa que um francês evoluído, que fica aquela maravilha. Esses Novo Mundo ficam meio opacos, perdem fruta e não chegam a encantar. Ok, os vinhos ainda estão bons, mas qual o ponto de esperar dez anos se o resultado é esse? Melhor bebe-los jovens mesmo. Olha, acho que a Argentina e Chile ainda precisam comer muita farinha ara chegar ao nível da França. Essas notas aí do colega do Parker são uma piada. Ou alguém concorda com isso??

Anônimo disse...

monchenot é um vinho guardado em barricas véias e vai ao mercado depois de anos e anos de guarda na vinícola...é é uma bosta, sorry. Cheiro de coisa velha e exidado.
Esse cara é louco e vejo que não entende muito os vinhos argentinos...prever uma janela até 2058!!!!!!!1????????tá doido esse CABRA?

Anônimo disse...

Nas duas oportunidades que experimentei o Montchenot não havia nada de oxidado e com gosto de coisa velha. Não havia, isso fique claro, a capacidade evolutiva de um Bordeaux, mas é um vinho diferenciado. Pareceu-se mais com um Rioja de boa estirpe.

Anônimo disse...

Ricardo,
Como bom "eurocentrico" que voce é, fica bem dificil aceitar que Argentinos, Chilenos, Americanos, Sul Africanos, Australianos e Kiwis, facam alguns vinhos tao bom quanto, ou em muitos casos melhores que, os famosos icones Europeus.

Anônimo disse...

André, realmente minha preferência recai, na maioria das vezes, sobre vinhos da Europa. É a mais pura verdade, esse é meu gosto pessoal. França e Itália (e Alemanha para brancos e Hungria para vinhos de sobremesa) estão quase sempre no topo das minhas prioridades. Mas não se trata de uma escolha por status ou algo assim. É apenas um paladar que desenvolvi voltado a vinhos que acho mais elegantes. Prova disso é que não sou fã dos vinhos do Sul da Itália ou da região francesa de Languedoc(salvo alguns poucos), porque essas áreas geram produtos muitas vezes concentrados e frutados demais para meu gosto particular. Mas respeito quem tem um paladar diferente. E absolutamente não é verdade que para mim seja "bem difícil aceitar que Argentinos, Chilenos, Americanos, Sul Africanos, Australianos e Kiwis, façam alguns vinhos tão bom quanto, ou em muitos casos melhores que, os famosos ícones Europeus", como você escreveu. Acho mesmo que a Europa, e em particular algumas regiões consagradas como a Borgonha, produzem gigantesca quantidade de vinhos medíocres e decepcionantes. No quesito padrão médio e confiabilidade, o Novo Mundo ganha de goleada do Velho. Além disso, todos esses países que você mencionou, com destaque especial para os Estados Unidos, geram muitos vinhos que eu adoro. A África do Sul, por exemplo, tem coisas ótimas. Seus melhores produtores seguem um estilo bem elegante e clássico que eu adoro. Existem muitos ícones europeus que custam e prometem muita mais do que entregam. Existem muitos vinhos do Novo Mundo que são absolutamente soberbos. Mas, quando falamos dos melhores vinhos do mundo, do topo do topo, acho que a Europa ainda reina. Com bastante folga em relação a Chile e Argentina e muito menos em relação à Califórnia. Mas reina. Enfim, essa é minha opinião pessoal. Respeito quem pensa diferente. Mas não queria deixar a impressão que gosto de todos os vinhos europeus (não é verdade, muitos são péssimos) e que viro a cara para os do Novo Mundo (na realidade sou fã de diversos produtores de muitas regiões vinícolas fora da Europa, incluindo aí Argentina e Chile). Em um assunto complexo como vinhos, generalizar é sempre uma má idéia.

Anônimo disse...

Bem, na minha opinião, elegância sempre antes da potência. Especialmente quando esta potencia vem acompanhada de 15º de teor alcoólico! Todavia, é incrivel quando se conseguem balancear as duas coisas como no caso de um Quimera (Achaval Ferrer) ou Yscay (Trapiche). Agora se vai durar 20 ou 30 anos, who cares?! Quero mais é tomar agora ou nos próximos três a cinco anos.
Com relação ás notas, se fosse por aqui realmente levantaria suspeitas. Acho que o cara não deve cuspir e depois de tomar todas, dá essas notas! Ou isso ou ....

Anônimo disse...

O assunto realmente é polemico, e os comentários do Ricardo sao perfeitos: dar 98 pontos para tantos vinhos argentinos me parece uma coisa sem lógica, que só pode ser justificada pela "escola parker" da maioria dos vinjos daquele país e também do Chile. Esta é, infelizmente, a realidade.
Sobre a capacidde de envelhecimento, acho que os argnetinos e chilenos top evoluem bem entre 8 e 15 anos, raramente mais do que isso. Já tomei vinhos destes países com 11, 12 anos de adega e estavam maravilhosos. Mas sao raros.
Sobre o Montchenot: é um vinho ä moda antiga, que nao se faz mais, mas é muito, mas muito bom. Tomei recentemente em 1996 e parecia um bordeaux. Para quem gosta da elegancia dos vinhos franceses, ele é muito bom mesmo.

Anônimo disse...

Tem coisa boa na Argentina, mas o duro é que sempre tem coisa melhor de outro lugar, não é? No estilo antigo o Montchenot é bom, mas vá olhar o que se pode conseguir na França... dá até pena. No estilo moderno a Argentina faz bonito, mas não tão bonito como a Austrália ou a Califórnia. Os argentinos podem ser bons custo/benefício, mas quem acha que seus vinhos já estão entre os melhores do mundo não sabe nada de nada. Força, hermanos, que um dia vocês chegam lá! Eu espero sentado, tomando um Barbaresco :-)

Anônimo disse...

Em meio a tantos entendidos, vou arriscar um singela opinião que, quem sabe, pode justificar as notas altas do Jay Miller. Talvez os vinhos analisados tenham mesmo progredido em qualidade a ponto de merecerem notas altas do avaliador. Desconfio que o problema esteja no método Parker de avaliação, que já começa dando de graça 50 pontos para qualquer vinho. Creio que qualquer avaliador, utilizando diferentes métodos (Giancarlo Bossi, método europeu, ou outros) tenderá a ser mais generoso na escala Parker. Nesse sentido, creio que o próprio Parker se tornou refém de seu método e terá de promover alterações nos critérios de avaliação caso não queira uma proliferação interminável de notas acima de 90 pontos, o que pode desacreditar as suas avaliações por completo.

Anônimo disse...

O sr. Alcides twnta faz gracinha ao citar os "entendidos" mas omite sua opiniao como um.

Anônimo disse...

Alcides, tendo a concordar com seu ponto de vista. O sistema de 100 pontos de Parker, embora pouca gente saiba disso é, na verdade, um sistema de 50 pontos. Porque 50 é a nota mínima -- a idéia é que, só por um vinho ser vinho, já merece 50 pontos de saída. Mas a verdade é que qualquer coisa com nota abaixo de 80 pontos na escala do Parker ou da Wine Spectator, entre outros, é simplesmente péssimo. Um vinho nota 79 é uma zurrapa intragável, enquanto estamos acostumados a pensar para outras coisas que 79 é uma nota até que razoável. Um vinho ter 87 ou 88 pontos significa que é simples e apenas mediano. Bom mesmo é de 92 pontos para cima e excelente de 95 para cima. Assim todas as notas acabam sendo altas, o que distorce a utilidade do sistema de pontuação.

Anônimo disse...

Alcides, as notas do Parker ja existem ha muitos anos. Todo mundo quer tirar uma casquinha do metodo dele pra ter os seus 5 minutos de fama. O fato é que ele nao esta nem ai pra nossa opiniao. Nao existe nenhum segredo na pontuacao dele, ela vem explicada no website e o seu consumidor ja adaptou seu paladar com o paladar dele. Todo mundo tem um um metodo diferente, eu por exemplo uso uma pontuacao de 138 pontos: o vinho ja ganha 135 so por aparecer, se for medio para ruim, ganha ganha mais 2 pontos e chega na minha nota maxima de 138. Agora , se for bom, otimo, excelente, petacular: EU BEBO.

Rafaela disse...

Olá, Ricardo!

Mesmo eu sendo uma apreciadora de 'fruit bombs', eu concordo com você, as notas devem ser dadas com todo cuidado, pois muita gente baseia-se nessas pontuações na hora de comprar um vinho.

Ademais, começo até a desconfiar se a nota foi dada de forma descomprometida ou se havia algo por trás da pontuação.

Abraços. Seu blog é muito bom.
Rafaela